quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Agroecologia em Cuba.

Transformações na agricultura são laboratório para reformas em Cuba

Cooperativas ganham espaço ao venderem diretamente o que produzem, sem agrotóxicos e com economia de energia

Duas mulheres oferecem cenouras, mangas, goiabas, mandioquinhas e temperos para quem passa na calçada. A poucos metros delas, fregueses esperam para tomar caldo de cana gelado. O bairro é Alamar, localizado a 12 quilômetros do centro de Havana. Na região, vivem mais de 100 mil cubanos e é lá que se pode ver claramente como o país busca um modelo alternativo de agricultura para driblar as dificuldades impostas pelo bloqueio norte-americano.
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Tudo o que está ali foi produzido nos hectares que ficam atrás do balcão, onde há centenas de cultivos e uma série de estufas que protegem as verduras do ensolarado verão cubano. No meio do campo, um homem prepara a terra que será cultivada, usando um carro movido por dois pequenos bois. “Quem vir isso aqui vai pensar que estamos na Idade Média. Mas não, é uma escolha nossa. E é este modelo de agricultura que pode trazer mudanças”, disse Miguel Salcines Lopez, agrônomo responsável pela UBC (Unidade Básica Cooperativa) Vivero Alamar, à reportagem de Opera Mundi.
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Yenni Muoña/Opera Mundi

Estufas protegem as verduras e legumes do forte soll do verão cubano. A meta é aumentar a eficiência da produção

Lopez explica que substituir os tratores movidos a óleo diesel pela força animal não é a única peculiaridade do local: a meta é aumentar a eficiência da produção, mas sem utilizar agrotóxicos ou fertilizantes. No centro da fazenda, uma casa de seis metros quadrados funciona como um laboratório para produzir pesticidas orgânicos. “Inicialmente, fomos obrigados a trabalhar assim, mas agora percebemos que é muito melhor do que trabalhar com excesso de química. Hoje trabalhamos com o mínimo e a meta é reduzir cada vez mais”, disse Lopez.

Quando a Vivero Alamar foi criada, em 1997, com apenas meio hectare e quatro trabalhadores – entre eles Lopez, a esposa e a filha – o país passava por uma grave crise econômica. Na época, havia urgência em colocar mais alimentos na mesa dos cubanos, mas já não havia mais o antigo fornecedor de insumos, a União Soviética. E não foram apenas venenos e ferramentas que desapareceram das prateleiras, mas também o combustível que movia os tratores.  A solução foi usar insetos e matéria orgânica para adubar e para fazer controle de pragas. “Cuba é uma escola de agroecologia”, disse Lopez, observando a produção que coordena.

Atualmente trabalham na cooperativa 139 agricultores. Eles têm metas ambiciosas para garantir a sustentabilidade do modelo: 2012 deve ser o último ano em que precisarão fazer importação de matéria orgânica.

Inversão de papéis

A Vivero Alamar é um exemplo que anima Ramón Frota, vice-ministro da Agricultura. Até a década de 1990, 80% da produção era realizada nas grandes fazendas estatais constituídas na década de 1960 e 20% vinha de cooperativas. Esse quadro se inverteu e as pequenas unidades se tornaram a força-motriz da agricultura cubana, respondendo por 80% da atividade. Se hoje a agricultura representa 4% do PIB (Produto Interno Bruto), a meta é situá-la entre 8% e 12% nos próximos cinco anos. “Precisamos nos livrar da importação por conta da alta dos preços dos alimentos no mercado internacional”, disse Frota a Opera Mundi.

A ilha importa quase dois bilhões de dólares anuais para alimentar sua população. A compra de alimentos no exterior atende praticamente à metade dessa demanda. Mas tem crescido a produção de leite, carne, tubérculos e hortaliças. Superando alguns dos desafios da auto-suficiência, o país consegue exportar café, tabaco, mel, cítricos e suco concentrado.

Descentralização

No VI Congresso do Partido Comunista, realizado em abril de 2011, foram reforçados os planos de aumentar a eficiência e foi definido que os rumos da agricultura devem apontar, cada vez mais, para a descentralização da produção. Nos lineamentos (documento que reúne todos os aspectos discutidos no Congresso), o governo ressalta, porém, que o Estado continuará controlando os preços.

Em 1993, no auge da crise causada pelo fim da União Soviética, algumas terras ociosas foram distribuídas para os produtores privados, os “agricultores pequenos”, como aquela onde hoje funciona a Vivero Alamar. Ao contrário do que ocorreu em outros setores da economia, as licenças não foram congeladas e as leis agrícolas passaram por uma série de modificações para estimular a migração de trabalhadores para o campo. A ideia, afirmou o então  presidente Fidel Castro, era “não faltar alimentos nos Mercados Agropecuários Estatais”.

Em 2003 e em 2008, o governo realizou novas reformas agrárias e concedeu terras ociosas àqueles que estivessem dispostos a trabalhar nelas. Além de ganhar a propriedade, o trabalhador também recebia instrumentos e insumos. Os que cultivam um dos 22 produtos que substituem as importações contam com subsídios do Estado. O compromisso assumido é vender ao Estado, mensalmente, uma cota fixa, que é estabelecida de acordo com o tamanho da terra. O agricultor pode fazer o que quiser com o excedente, desde consumir até vender em um dos mercados privados de Cuba. Hoje há, em todo o país, 1.762 unidades como a Vivero Alamar.
Yenni Muoña/Opera Mundi

As cooperativas cubanas, como a Vivero Alamar, produzem sem agrotóxicos e com economia de energia

Para evitar a criação de latifúndios, o governo estabelece que um agricultor pequeno pode ter a terra por dez anos, prorrogáveis por mais dez. O tamanho deve variar entre 26 e 40 hectares, mas é estimulado o cooperativismo entre produções vizinhas. Paga-se imposto sobre a venda e sobre o espaço usado; não é permitido vender a terra e a troca é feita somente com licença do Estado; permite-se contratar força de trabalho, mas com limites quantitativos e obedecendo a regra de que o titular da terra também seja um camponês ativo.

Resultados

Segundo o Ministério, o país pode se tornar, no prazo de um ano, auto-suficiente em arroz. Em 2007, Cuba produziu 250 mil toneladas do grão e importou 600 mil, principalmente do Vietnã e da China.

O plano contempla a recuperação de 150 mil hectares de antigos arrozais, a incorporação de mais 150 mil hectares de novas áreas e o aumento da produtividade do plantio através do fornecimento de insumos, do investimento em maquinário e irrigação e da troca de conhecimento entre as cooperativas.

De acordo com dados oficiais aos quais o Opera Mundi teve acesso, apenas nos primeiros seis meses de 2011 o governo recebeu em torno de 800 solicitações de terra. No total, há 9.666 pedidos em trâmite. Os números indicam também que a produção agropecuária de Cuba cresceu 7,2% nos primeiros noves meses de 2011 em comparação com o mesmo período do ano anterior.
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