sexta-feira, 6 de abril de 2012

Carta Capital.


Prezados amigos de facebook. Euforia desmedida. Para a consideração dos caros amigos segue, abaixo, o meu artigo semanal para a revista Carta Capital. Fica a pergunta aos amigos: será que a eleição de Suu Kyi levará a democracia ao seu país?
.........
Euforia Desmedida.

Na Birmânia, --que passou a chamar Myanmar em 1989--, a ditadura militar instalou-se em 1962 e o golpista general Ne Win permaneceu no poder até ser substituído, em 1988, pela Junta Militar. Essa Junta, em 1990, promoveu eleições para a Assembléia constituinte. Das 425 cadeiras reservadas aos novos constituintes, a Liga Nacional para a Democracia (NDL), guiada por Aung San Suu Kyi, conquistou 392 delas e isso para grande surpresa dos militares. Num golpe de força, a Junta Militar, comandada pelo general Thein Sein, feito primeiro ministro e célebre por ter coberto a filha com diamantes em cerimônia de casamento, cancelou as eleições.

De 1990 a 2010, a líder Suu Kyi, filha de Aung San, assassinado herói da construção da independência, foi colocada incomunicável em prisão domiciliar.Não bastasse, as cadeias do país ficaram abarrotadas de presos políticos e até os pacíficos monges budistas foram massacrados nos seus protestos pela falta de liberdade de expressão e pela carestia.

O premier de divisas militares preparou uma nova Constituição, aprovada em 2008 por meio de manipulado referendo popular. Essa Constituição legitima a pena de morte, nunca cogitada ao recém-falecido Khun Sa, conhecido por “Rei do Ópio e que corrupia os militares: a Birmânia é a maior produtora e fornecedora asiática de drogas sintéticas e já foi considerada narcoestado pelos plantios de papoula e extrações de ópio nas montanhas norte-orientais.

Thein Sein, durante anos, encarou o embargo econômico norte-americano e não deixou Suu Kyi sair da prisão para receber o Nobel da Paz outorgado-lhe em 1991. A propósito, Suu Kyi, graduada por Oxford, não pode comparecer aos funerais do marido e professor britânico Michael Aris, morto de câncer em 1999. Mas, esse ditador-mor percebeu o acerto de uma lição de geopolítica e geoeconomia ensinada por um vizinho, ou melhor, pelo indiano Amartya Sen, vencedor do Nobel de economia em 1998. Para Amartya Sen, a colaboração econômica, nesta nova quadra, conta mais do que a supremacia militar. Por outro lado, Thein Sein percebeu que a colaboração econômica única trazia problemas, pois a China, no papel de irmão mais velho, só faz as suas vontades. Isso restou claro no caso da hidroelétrica de Mytzone. Pequim arcaria com o financiamento e receberia, dado o grande potencial hidroelétrico birmano, o produto gerado. Myanmar ficaria com as perdas ambientais.O general Thein Sein, num ato com conseqüências superdimensionado pelos EUA, rescindiu o contrato com a China logo após ter assumido a presidência em 4 de fevereiro de 2011.

O general-presdente quer melhorar a economia e a imagem para se manter mais tranqüilo no poder até 2015, quando previstas eleições gerais. Ele começou por passar para a reserva e, assim, autoproclamar-se presidente civil. Em dezembro passado, recebeu Hillary Clinton, que até encontrou com Suu Kyi: a Nobel da paz, que prega a democracia e a não violência, acabou tirada da prisão domiciliar na semana seguinte às eleições fraudadas de novembro 2010 e que conduziram Thein Sein à presidência com quase 80% dos votos.

As eleições suplementares de 1 de abril passado levaram Suu Kyi a ocupar, por um região miserável, sem luz elétrica e postos de saúde, uma cadeira na chamada Câmara-baixa. O seu partido, a respeito, logrou conquistar 40 das 45 cadeiras parlamentares disputadas. Isso foi o suficiente para o presidente Barack Obama, em campanha para a reeleição, cantar vitória da sua nova linha diplomática e a mídia européia especular sobre abertura para o Ocidente e fim do embargo econômico. Além de comparar Suu Kyi a Nelson Mandela.

O exagero beira ao ridículo. Basta atentar para a formação do Parlamento, que conta com biônicos selecionados pelos militares. Pela nova Constituição, a Câmara nacional (senado) possui 168 eleitos por sufrágio universal e 56 indicados pelos militares. A Câmara-baixa (representantes), que agora contará com a presença de Suu Kyi, é integrada por 330 deputados eleitos e 110 escolhidos pelos militares. Só para recordar, no domingo último, ocorreram eleições supletivas, com 45 vagas, a saber, 37 na Câmara-baixa, 6 no Senado e 2 em câmaras regionais. Em outras palavras,o partido dos militares, denominado União, solidariedade e desenvolvimento da União (USDP), conta com larga maioria.

Em 2015, Thein Sein concorrerá à reeleição e os militares tem expertise em fraudá-las: como regra, o quadrado impresso na cédula para colocação de marca na oposição é sempre recheado de cera, a permitir remoção e marcação posterior no candidato da situação.

A vitória de Suu Kyi, na verdade, foi um pequeno passo que não dá nenhuma certeza quanto a uma Birmânia democrática. Muito menos, emreviravolta pró-Ocidente. O comandante do Exército, pós eleição de Suu Kyi, foi enfático: “A posição especial reservada às Forças Armadas pela Constituição de 2008 devem ser respeitadas”. E os militares, pela tal Constituição, continuam a poder tudo.
· · Compartilhar ·

Nenhum comentário:

Postar um comentário